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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

Darma, percepção e cinema

Compilação de trechos de ensinamentos de Lama Padma Samten sobre como praticar através das artes e assistindo filmes.


A arte nos permite ver muito bem essa contaminação que brota pelos próprios sentidos físicos.
Eu gosto desse exemplo em que a gente faz riscos e vê um cubo. O cubo é em três dimensões! É escandaloso aquilo! O desenho está em duas e a gente vê algo em três dimensões. Podemos também olhar os desenhos que têm ponto de fuga, em perspectiva. A gente vê estradas. Aquilo está tudo em duas dimensões. Como eu vejo uma estrada, uma casinha lá no fundo? Se a gente faz uma casa no início da estrada e do mesmo tamanho faz outra casa no fim da estrada, aquela casa parece gigantesca. Como pode parecer gigantesca se elas têm o mesmo tamanho? A gente cria a imagem de profundidade, e aquilo daquele tamanho lá no fundo é porque é muito grande. A gente tem essa percepção. A gente adiciona elementos internos.
A arte toda é o jogo disso, seja ela escultura, musica, pintura, desenho gráfico. Nós trabalhamos o tempo todo com o que é chamado delusão. Esse processo de delusão dos próprios sentidos físicos é extremamente rico, porque ele permite a gente entender que há uma intersubjetividade. Por exemplo, não somos pessoas individuais que veem o cubo no desenho. Diferentes pessoas veem o cubo. A gente cutuca o outro e diz: “Está vendo o cubo?” “Estou vendo o cubo”. Aí pergunta: “Quem não está vendo o cubo?” Tem um ou outro que não está vendo o cubo. Todo mundo está vendo o cubo. Aí começa uma coisa interessante. Dependendo do desenho, a gente pode ver diferentes cubos.
Eu vi a perfeição dessa ilusão na internet. Vocês já devem ter visto isso. Uma bailarina girando. A bailarina gira pra um lado. Aí tem pessoas que veem a bailarina girando pro outro lado. “Mas eu vi a bailarina girando pra esse lado e é certo que ela só gira pra cá. Não dá” Daqui a pouco a gente olha de outro jeito, a gente vê e diz: “Alguém mexeu em alguma coisa”. Aí começou a girar pro outro lado. A pessoa pisca três quatro vezes, dá uma batida assim na cabeça, a bailarina gira pro outro lado.
Não é um raciocínio. Aquilo vem por dentro dos olhos. A gente vê.
Com a música a mesma coisa: você escuta uma música e se emociona. Aquilo é só pi pi pi pi pu ru po po po. Não é nada. Eu tinha um amigo músico que me falou algo que me deixou espantado, levei um tempo para entender. Ele disse que as sirenes de bombeiro e de polícia usam acordes que são dissonantes e produzem uma aflição na pessoa. Agora, eu não posso entender como que bi bó bi bó produz aflição, deixa todo mundo assim. Mas ele sabem, quem compõe música sabe como é isso.
Aí por exemplo, vocês estão vendo um filme. De acordo com o tchan tchan tchan, você já sabe que esse aqui é o bandido. Aí aparece ele, vai matar com certeza. Aí tem uma menina, quando ela aparece é ti ti ti ti bu ru baba ti ti ti. Aí vem o terrível ban ban ban ban. Ele está olhando pra ela. Aí tu já sabe, vai ser horrível, não quero nem ver. Já está sabendo tudo o que vai acontecer. Dá uma premonição na pessoa. É muito interessante essa sensação de premonição num filme. Aí a pessoa vê o filme de novo, dá de novo a sensação de premonição. Ou então, as esperanças. A pessoa está vendo pela quinta vez o Titanic, com a esperança: “agora não afunda, não pode afundar”. Naquele momento o navio vai e afunda.
Tem que ter uma esperança, ao menos que não morra. Mas aquilo vai e acontece. Se a gente não tiver essa emoção, o filme não tem graça nenhuma. As imagens já estão todas gravadas. Não adianta ficar querendo agora que aquilo vá para um lado ou pro outro. Aquilo já está filmado, pessoal, não tem solução. Sai do filme e diz: “aquele filme é horrível, o cara é horrível, eu acho que ele é assim mesmo, o artista, porque ele só faz esse tipo de papel”. Aqui no Brasil houve esses eventos, dos artistas de novela serem xingados na rua: “Se você não fez, está com uma cara muito boa como se tivesse feito”. Aquilo é bonito de ver, como a gente confunde, confunde a arte.
Mas isso não é um raciocínio. Aquilo é os nossos olhos que passam a ver de um certo modo.
E quando os artistas se confundem também? Eles encarnam o papel e passam a viver. Se apaixonam pela moça. E aí, como faz? Situação grave.
Esse é o ponto do mundo interno. Quem não entender esse processo interno é arrastado de um lado para o outro pela sensação que as coisas apresentam e que a arte tem esse recurso tão maravilhoso de mostrar, de denunciar, de modo claro.
Tem alguns filmes que eu vi em que as pessoas, no meio da filmagem, comentam sobre o papel. Elas estão fazendo a filmagem e num certo momento é como se elas comentassem sobre o próprio papel. Elas quebram o filme. Aí o filme fica super profundo.
É como nas novelas, os jornais começam a entrevistar as pessoas: “Você, que é a vilã, você vai morrer, o que vai acontecer com você?” “A vilã é isso e aquilo, mas no fim ela morre.” Aí começa a entrevistar, fazer uma noticia sobre uma coisa que não existe, uma coisa fictícia. Mas aquilo passa a existir, tem uma intersubjetividade. Nós nos ocupamos daquilo, aquilo existe, mas existe porque nós povoamos o mundo interno e isso começa a ocorrer.
Pergunta: Nossas visões são fenômenos internos?
São fenômenos internos, até mesmo porque as visões externas também são fenômenos internos! Esse é o ponto. Nós temos um apoio que vem da luminosidade, mas quando estamos vendo um filme, ainda que a gente saiba que é um filme, nós embarcamos direitinho em coisas que geram uma interpretação para nós. A nossa mente produz uma realidade, a gente vê um filme projetado na parede e vê três dimensões, coisas que não estão ali. Não só vemos, como sentimos, temos uma viagem interna. Existe uma mente associada aos sentidos que opera.
De modo geral, quando vemos a realidade relativa não vemos a realidade absoluta. É parecido com a projeção de um filme: vemos uma realidade relativa com personagens e uma história que decorre dentro do filme, mas tem uma realidade mais profunda que é existir uma máquina projetando o filme na parede. Eu esqueço dessa realidade profunda e fico atento ao aspecto relativo.
A operação mental legitima aquilo que — cognitiva, emocional ou carmicamente — nós percebemos. Estamos presos a este automatismo e, através disso, os sentidos físicos nos introduzem em realidades virtuais. Se não fosse assim, os filmes no cinema não funcionariam. Acontece que a emoção passa pelos sentidos físicos e viajamos mentalmente devido aos automatismos cármicos de resposta. Cada vez que vemos o filme, secretamente desejamos que o Titanic não afunde e conduzimos nossas emoções de acordo com os eventos na tela, mesmo que já saibamos o final do filme.
Pergunta: Elas são complementares? Por que quando estou numa não consigo ver a outra?
Não necessariamente, a gente vai conseguir ver o filme e se dar conta do outro aspecto. Aí o filme fica mais bonito, mais extraordinário de ver. É olhar o filme com o olho do diretor.
Pergunta: Então é possível integrar as duas realidades?
Sim, é possível integrar. Isso é chamado tathata, que é descrito como a mente do Buda que é capaz de ver como as coisas aparecem e ao mesmo tempo estar fora daquilo.
 

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