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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

Lama Padma Samten fala sobre morte, sofrimento e impermanência

Transcrição da fala de Lama Padma Samten em uma cerimônia de liberação das cinzas no CEBB Caminho do Meio (Viamão, RS)

Todas as coisas surgem e cessam. Eu acho isso super comovente porque nós estamos no mundo e queremos que as coisas boas perdurem, mas as coisas todas surgem e cessam. Por exemplo, aqui nós estamos nos defrontando com o fenômeno da morte, um ponto super crucial. Mas a impermanência não é só isso. Nós já tivemos a impermanência da nossa condição de bebês, de crianças… temos uma impermanência, aquilo vai mudando.
Uma das coisas que eu considero também muito comovente é o fato que as coisas boas podem se transformar em coisas ruins. Eu acho isso muito comovente porque fazemos esforços para ter emprego, fazemos esforços nas relações — quanto mais próxima a relação maior o sofrimento na interrupção daquilo. Nós não temos nenhuma garantia que aquilo não vai acontecer em algum momento, na verdade nós temos a certeza que as coisas todas começam e terminam. Quanto mais próximas as relações, mais aflitiva é a condição da impermanência daquilo.
Também acontece com os filhos: às vezes os filhos estão vivos, mas as vidas tomam seus rumos e tem uma impermanência. Às vezes a impermanência não tem uma cara de impermanência. Por exemplo, os filhos vivem com os pais numa cidade do interior, de repente eles vêm para a universidade, eles não tem a sensação “a impermanência bateu”, mas eles estão saindo de casa e não voltam mais. Aquilo é muito comovente, a vida é cheia dessas coisas.
O Buda olhando para isso fala da natureza do sofrimento. Quando ele fala da natureza do sofrimento está se referindo a essa situação nossa dentro de uma consciência num mundo. Mas o Buda diz: esse sofrimento tem causas, ele não é uma coisa cósmica, eterna, não é algo do nível transcendente, é do nível das aparências e nós podemos ultrapassá-lo. Esse sofrimento se funde com a nossa fixação nas formas como elas se dão, nas aparências como se dão. Por exemplo, quando um filho casa, pode ser que os pais ao mesmo tempo se alegrem e se entristeçam, é uma coisa curiosa. Quando os filhos começam a ficar independentes, se levantam, falam, se deslocam, começam a resolver seus problemas, os pais ficam felizes mas eles também ficam um pouco divididos, porque eles podiam pensar “No tempo que eles estavam comigo, estava tudo mais próximo, era melhor”. Agora, os filhos saem, aí a filha vem morar no Caminho do Meio, a mamãe passa mal em algum lugar, deve ter essa tristeza de algum modo, aí a filha diz “Eu estou bem, mamãe, está tudo bem aqui!” e a mãe diz “Ah, mas eu queria que estivesse mal, que você voltasse”. É um pouco assim, isso é a impermanência, esse movimento, é muito comovente isso.
O Buda fala das causas do sofrimento. As causas são sempre a nossa fixação, a gente fixa o outro, prende o outro dentro de uma bolha de realidade, mas os seres são livres, eles constróem suas visões, eles podem estar equivocados, mas constróem seus mundos e começam a andar nos seus mundos. Uma característica constante da nossa mente é o fato de que construímos mundos e nos deslocamos dentro de mundos. Isso é um ponto interessante. Dormimos à noite, construímos e nos deslocamos por dentro de mundos, esquecidos da realidade de quando estamos acordado. Isso é a natureza da mente.
Aí o Buda vai falar disso: a liberação é possível. Nós descobrimos que a nossa mente está construindo as realidades constantemente, ela não é algo que se fixa, nem as identidades que se fixam. Isso não é nenhuma teoria do Buda, ele vai olhando e vendo aquilo acontecer. Por exemplo, cessa a realidade do estado acordado e a gente dorme, quando a gente dorme, a gente também acorda construindo realidades, construindo sonhos e andando por dentro de sonhos. Diz-se que a morte é parecida com isso: cessa a realidade baseada nos sentidos fisicos, que deixam de operar, mas essa mente capaz de construir realidades segue. Tem estruturas cármicas que são impulsos naturais que portamos, muitas vezes elas servem pra definir nós mesmos, mas elas também não servem para definir, porque elas também mudam. Esse é um ponto super importante: nós também não somos os carmas nem as tendências, mas é como se às vezes eles durassem mais tempo do que a nossa vida. Então por algumas vidas a gente porta certos componentes cármicas e segue, mas nós não somos isso.
Aí vem o Buda e a fonte de sabedoria do Buda é a própria realização da meditação. Ele para e olha todos os movimentos, vai vendo os movimentos, e esse parar significa que além do tempo, além do espaço, além da existência dele, ele para e vê. Assim vai sendo transmitida essa mente do Buda, nessa capacidade de parar e olhar e ver. Muitas vezes Sua Santidade Dalai Lama compara isso com a mente do cientista — quando ele para, ele vê. Mas o cientista está preso numa porção de teorias. O budismo vai tentando despir as teorias, ver aquilo de frente.
O Buda descobre que essa natureza de brilho não cessa. Começamos falando da morte e da impermanência, depois vamos falar daquilo que, na verdade, não morre e não é impermanente, que está sempre conosco. Começamos a entender como que éramos bebês e hoje somos adultos, mas nós somos os mesmos porque seguimos construindo, continuamos fazendo as mesmas coisas, com impulso, nos movemos, criamos realidades e vivemos dentro delas. Esse é o ponto.
No budismo, a morte é muito importante porque, por exemplo, todas as construções artificiais — que vamos fazendo durante a vida e as quais vamos nos ligando — cessam. Ela teve essa oportunidade, pois ela teve uma doença longa, no final talvez quisesse morrer. É como a pessoa chegar num ponto em que a vida dela se extinguiu, no sentido de ela não quer seguir daquela maneira, dentro daquilo, ela quer cessar. Essa é uma morte muito favorável, se diz, quando a pessoa morre com a vontade de viver extinta, é como se a morte se completasse. Essa visão ampla, essa visão luminosa de construir realidades, ela segue. A gente aspira que ela tenha gerado qualidades e que a direção da mente se livre das memórias anteriores e possa construir coisas favoráveis.
Esse é um mistério em que cada um de nós aqui está preso: nós vamos morrer também. É super importante que a gente olhe para as outras pessoas que estão passando e aprenda com isso, essa é a nossa condição. Eu lembro perfeitamente quando eu era jovem, meus pais eram os mais jovens das respectivas famílias, eu era o terceiro filho, então era todo mundo muito mais velho que eu, agora virou o contrário, sou muito mais velho que todo mundo. Mas teve o tempo em que eu vi eles morrendo, todo ano eu ia para o cemitério, é muito comovente. Eu lembro do meu avô, minha avó, um por um, tios, todos eles falecendo, isso é muito comovente. Quando a gente é muito jovem a gente olha e pensa “Isso não tem nada a ver comigo”, mas tem porque nós estamos nesse movimento.
Eu queria agradecer a confiança de vocês da família, a presença de vocês, essa oportunidade que nos conectou, que isso seja bom para cada um de nós que esteve aqui hoje, nesse domingo de despedida. Tudo de bom para vocês, que sejam felizes, que consigam fazer boas coisas, que o filho consiga fazer boas coisas para o pai, que seja uma alegria e que siga essa cadeia da vida, não quero cobrar de vocês, mas os bebês tem que vir, tudo tem que seguir! Isso eu estou dizendo para todo mundo que está aqui.
Muito obrigado, muitas felicidades para vocês!

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