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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

O Lama poderia falar sobre não julgar?

“A porta dos infernos começa com um elogio”.

Esse ponto é assim: nós temos uma aspiração e temos um julgamento sobre se estamos indo bem ou não dentro dessa perspectiva. Surge como que um caminho, em que nós deveríamos fazer certas coisas. Eu considero completamente natural surgir isso. Eu não acho muito favorável, mas eu acredito que esse julgamento acaba surgindo. Alguns mestres, como por exemplo, Daisan Sanin, dizia: Don`t check yourself! “Não avalie você mesmo”. Então, eu estou fazendo uma coisa e eu não devo avaliar se eu estou fazendo direito ou não. Isso parece estranho, mas essa instrução tem esse teor.
O que eu vejo, que eu utilizei comigo por um bom tempo, é um ponto que considero central, que é não saber se eu estou indo bem ou não, mas é saber o que eu devo fazer. A melhor coisa que pode surgir dos ensinamentos que criticam é nós quebrarmos a nossa rigidez e nos dispormos a fazer melhor. Mas, se já estamos rendidos, não precisamos de um ensinamento que nos derrube, precisamos de um ensinamento que nos ajude a andar melhor. Então, o melhor ensinamento é o que ajuda a andar melhor.
Eu sinto, intuitivamente, a inutilidade desse aspecto de avaliar, mesmo avaliar criticamente, porque o ponto central é olhar como que eu faço melhor a partir do ponto que eu estou. Seria justamente a conversa apreciativa consigo mesmo. Tem a conversa apreciativa coletiva. Não adianta ficar pensando que tais coisas não estão bem. Não vamos perder tempo. Se tudo der certo na conversa sobre a crítica, em um certo momento a gente cansa daquilo e pergunta: ok, no meio de toda essa tragédia com tantas coisas ruins, como é que a gente faz para andar melhor? Vamos pegar um atalho. Não tem ninguém culpado. A gente não precisa derrubar ninguém, não precisa tirar a energia de ninguém, não precisa fazer ninguém se sentir mal. O que nós precisamos é aproveitar a energia das pessoas como são e direcionar de uma forma positiva: criar um bom sonho, uma coisa elevada. Isso é uma boa coisa.
Então, surge uma questão, que muitas vezes surgiu pra mim também: como é que eu tomo uma direção a partir desse ponto, uma vez que as direções não são finais? Sempre falta alguma coisa para ver os últimos pontos. Eu olhava assim e dizia: bom, não importa aonde que vai, mas esse trecho aqui é um trecho importante de cumprir. E eu cumpria aquele trecho. Eu olhava e pensava que, fazendo esse trecho, quando eu terminá-lo e estiver lá na ponta, eu olho de novo e eu vou ver de um jeito diferente. Melhor assim. Não se culpar, não se avaliar, eu acho melhor, mas tentar fazer melhor.
Se a gente não culpa a si, a gente não culpa os outros. Se a gente começa a se avaliar muito, a gente começa a apontar problemas nos outros, porque é a mesma energia. A gente olha do mesmo jeito. Se a gente olhar para si buscando alguma coisa melhor, nessa conversa apreciativa consigo mesmo, quando a gente olha pro outro, nós temos mais facilidade de não julgar e ter uma perspectiva apreciativa, de como que ele pode aproveitar aquela energia e se mover de um modo melhor.
Isso não é muito fácil, porque, por exemplo, quando nós vamos julgar os outros, frequentemente, nós julgamos porque a nossa relação com ele causou algum desconforto, uma vez que a gente está preso aos 12 elos, nós temos desejos e apegos, nós temos sensações – vedanas (gosto e não-gosto). Então, é muito comum alguém de uma outra bolha se chocar e a gente olhar para aquilo e não gostar. A gente olha e nós precisamos justificar. A gente não está gostando, não porque está errado, mas porque o outro é um errado. A gente precisa justificar aquilo. Eventualmente, eu preciso me cercar de outras pessoas que também tenham aquela opinião para a gente fuzilar aquela pessoa. O julgamento frequentemente tem esse aspecto. Mas pode ser que a gente consiga, uma vez que a gente não está julgando a si mesmo, olhar o outro apreciativamente e encaminhar aquilo sem precisar criticá-lo.
Outro dia eu vi uma preciosidade, uma descrição muito interessante dessa situação: tibetanos torturados pelos chineses. Os chineses quebrando os tibetanos, e os tibetanos fazendo voto: “nessa vida, nessa oportunidade, você está destruindo a minha vida. Eu espero, em uma outra vida, ter a oportunidade de destruir a sua negatividade”. Eu achei aquilo interessante, porque ele não olha o outro como um adversário. Ele olha o outro com compaixão. Ele vê o outro sob o domínio daquele tipo de dificuldade. Nós tentamos ultrapassar aquele tipo de dificuldade, tentamos ajudar o outro a ultrapassar. A gente não diz “o outro é um monstro”. A gente diz “o outro tem esses obstáculos”. Eu achei aquilo muito precioso. Então, esse aspecto do julgamento próprio e do julgamento do outro andam juntos.
As vezes, as pessoas não gostam que a gente não se julgue. Elas querem que a gente confesse coisas. Ainda assim, a gente pode dizer: olha, ainda que essas dificuldades todas existam, eu não queria me fixar nisso, eu queria me fixar na aspiração de fazer coisas melhores. Se a gente precisar conceder a vitória ao outro, a gente concede. Mas nós não deveríamos ficar fixados na imagem que o outro quer colocar sobre nós.
Mas você é ótima, Tatá! Isso é um julgamento. Esse julgamento é venenoso, porque se eu digo que você é ótima, numa outra hora eu posso dizer que você não é ótima, porque eu começo a julgar, e isso introduz uma avaliação. A porta dos infernos começa com um elogio. Então, eu não quero oferecer essa porta dos infernos pra ti. Eu ofereci isso assim só para mostrar que essa é a porta dos infernos. “Mas você é uma boa menina”. (Risos)
No inferno não está escrito inferno. Está escrito céu. Mas é um céu sob condições. E céu sob condições é mortal. Imagina, se tu quer enganar as pessoas, arrastar elas para um buraco, tu não vais escrever: LUGAR HORRÍVEL! Tu vais escrever: LUGAR MARAVILHOSO!
Ensinamento oferecido por Lama Padma Samten em 25 de abril de 2018, no templo do CEBB Caminho do Meio.

Veja o vídeo completo do ensinamento

O trecho transcrito acima começa em 50:58


Transcrição: Taís Fonseca
Edição: Stela Santin

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